novembro 09, 2012

Lights Out Review

Sou dessas que praticamente tem devoção pela cena musical britânica. Uma dedicação que cultivo há anos e que sempre consegue me surpreender, mesmo quando não quero. Mas desde o boom de Adele no Brasil, me mantive afastada desse povo com medo que alguma wannabe-poser pudesse surgir. Sem comentários quanto a isso, aliás.

Mas como a apaixonada que sou por um som acústico e séries, não deu em outra quando aquele “summer’s coming soon” me conquistou em três repetições do mesmo verso na cena final de uma dessas zilhões de séries que acompanho. Então o quão surpresa não fiquei ao descobrir que a canção pertencia à um duo que atua em solo britânico?

Adorei a ideia de o álbum chamar-se Lights Out e a capa brincar com isso. Normalmente out é usado para indicar um movimento que se faz "de dentro para fora" de algum lugar ou alguma coisa, além de existir uma expressão, lights-out, que indica o momento no qual as luzes são apagadas, geralmente em dormitórios e afins. Se observarmos a imagem, veremos que a ideia é que a luz está vindo de trás para frente (movimento para fora) algo como "saia luz" ("luz, fora!") ao invés do "apague luz".


Aos meus ouvidos, o duo produz vibes similares a The Raveonettes, mas sem o peso eletrônico, e Sonic Youth, só que menos grunge, e um pouco mais organizado. E sim, pelas comparações já deu para entender que tem um vocal feminino. O que na verdade conta muito, já que o álbum é criado basicamente em cima das vozes de Kacey “KC” Underwood e Alice Costelloe.

E só com isso você percebe que o álbum, musicalmente falando não é nada inovador ou incrível, mas assim como sugere a capa, é emocionalmente brilhante. Ao longo do CD encontraremos/reconheceremos as aflições da juventude, ou melhor, aquelas aflições do coração, do primeiro amor, da desilusão e todas as outras coisinhas que vem junto no pacote.

Ouvir Lights Out é como observar feridas abertas. Ou então se encontrar como espectador de uma épica, longa, dolorosa, carregada, tensa e intima DR. Sim, imagine isso. Agora imagine que você não consegue ir embora, pois a cena é fascinante e em cada palavra dita entre eles, você sente um ressoar de familiaridade dentro de si, como se alguém finalmente estivesse dando voz àquilo que você um dia já quis dizer.

Sendo assim, Big Deal "musicaliza" as dores universais dos amores da juventude, daquele(s) relacionamento(s) que marcou forte e profundamente em cada um de nós. É um relato de sentimentos despido e de cara limpa, mas não menos confuso.

E já que estamos falando em sentir, é por via emocional que vamos estender esse álbum.

ANÁLISE PARCIAL

1. Distant Neighborhood
Nostalgia.

A canção introdutória apesar de ser tocada em um ritmo de rock animadinho, tem uma letra que é bem menos que isso. Ela fala da partida e das lembranças que guardamos de um tempo que poderíamos considerar feliz, mas quando visto de perto, parece menos e menos perfeito, a ponto de querermos nos livrar de quem nos traz essas lembranças e não necessariamente do que lembramos. Assim sendo "não olhe para traz agora, não apareça, eu te desejo tudo de bom e te desejo bem longe".

2. Chair
Teimosia.

Outra faixa de tempo acelerado. Por um segundo dá vontade de imaginar o que aconteceria a ela se Big Deal tivesse uma banda completa, mas rapidamente essas preocupações somem quando versos como “Only want me for my lungs, only want me for the songs I write about you, about how I like you” (só me quer por meus pulmões, só me quer pelas canções que escrevo sobre você, sobre como gosto de você) e “Don’t you wanna have that morning, again? Wanna be your lover, trying hard to be your friend” (Você não quer ter aquela manhã, novamente? Quero ser sua amante, tentando muito ser sua amiga) aparecem e você totalmente pensa que eles estão cantando algo que aconteceu com eles mesmos e entre eles.

Afinal, não seria nada difícil que o relacionamento profissional tivesse ultrapassado a linha tênue que a separa do pessoal e de repente os dois se encontraram nessa situação desconfortável. E mesmo com o fato da banda negar que eles tenham algum envolvimento amoroso, é quase impossível não assumir que eles estejam mentindo.

3. Cool Like Kurt
Desejo carnal. Na adolescência.

A harmonia de vozes não condiz com o que se passa na mente, no coração, no corpo e principalmente nos hormônios da pessoa por trás dessa letra. A adolescência é um castigo e como se apenas isso não fosse suficiente, apaixonar-se nessa idade é o mesmo que constantemente encostar a pele em ferro em brasa.

Nessa época, o ritual que nos transforma socialmente em adultos, supostamente é alcançar a maioridade, mas entre os próprios jovens essa transformação ocorre ao descobrir-se como um ser sexual. Sim, estou falando de sexo. Do ponto de vista feminino, é difícil chegar a uma certa idade e ser levada a sério como um adulto, mas principalmente ser levada a sério como alguém que quer um relacionamento. Por isso é tão difícil lidar com os caras da mesma idade que você, quando tudo o que eles querem é um momento de alivio.

Portanto, não é de se espantar o montante de mulheres que se interessam por homens mais velhos. Para as garotas que estão lendo isso aqui é fácil acompanhar o raciocínio. O interessante é que nesse momento nem eu, nem Costelloe estamos falando de amor. Esse intenso querer aquela pessoa é parte do que nossos hormônios gritam. Um pouco de Costelloe em suas próprias palavras:
Take me to your bed, don’t take me home 
(Me leve para a sua cama, não me leve para casa)
I wanna be old, I wanna be older 
(Eu quero ser velha, eu quero ser mais velha)
A honestidade com que ela canta o que para muitas, se não todas nós mulheres, significa de fato tornar-se mulher é espantosa. Mais ainda é a realização de que muitas vezes depois que o fato se consome; damo-nos conta de que nem sequer gostávamos daquela pessoa.

E é nesta parte, aliás, que pensamos novamente na falta que uma cozinha faz nessa banda.

4. Swoon
Apaixonar-se.

O epítome poético desse álbum vem na quarta faixa. Ao som leve e aconchegante da guitarra que aparece tímida e frágil, feito os sentimentos que nutrimos no primeiro amor. Mas que crescem e se deixam levar à medida que nos entregamos a ele.
Segue a letra na íntegra*.
Always hungry, - Sempre faminto ("ansioso")
I’ve waited so long to feel your touch. – esperei tanto tempo para sentir seu toque.
Stay me, stay me. – Fique comigo, fique comigo.
Do my bones show enough for your love? – Eu me expresso o suficiente pelo seu amor?**

Do what you want, I want you too. – Faça o que você quiser, eu quero você também.
The only thing we have to do. – A única coisa que temos de fazer.

So come and find me – Então venha e me encontre
Dizzy with the spell of our chemistry. – Tonta com o encanto da nossa química
You are a diamond – Você é um diamante
That fits into my heart so easily. – Que encaixa tão facilmente em meu coração
We have a system for the stars – Nós temos a fórmula para as estrelas
To keep us safe and warm – Nos manterem aquecidos e a salvo

Do what you want, I want you too. – Faça o que você quiser, eu quero você também.
The only thing we have to do. – A única coisa que temos de fazer.

Follow the heart, you know it’s true – Siga o coração, você sabe que é verdade,
The only thing you have to do. – A única coisa que você tem de fazer.

Summer’s coming soon, - (o) Verão logo está vindo,
A summer’s coming soon… - Um verão logo estará vindo...
A summer’s coming soon… - Um verão logo estará vindo... 
A summer’s coming soon… - Um verão logo estará vindo...
A summer’s coming soon… - Um verão logo estará vindo... 
*Não sei ao certo, se essa letra é a oficial.
**Em inglês duas expressões relacionadas à palavra bone (osso) existem e ambas falam sobre sentimentos. Quando se ‘sente algo nos ossos’ (feel it in your bones) é o mesmo que dizer acreditar em algo sem explicação lógica. A outra expressão é sobre "não esconder seus sentimentos" (make no bones about), portanto quando o verso da canção fala sobre os ossos mostrarem (bones show) pode estar implicando essas ideias.

5. Homework  
Estar loucamente apaixonado.

O embalo sonhador desta faixa nos lembra de que estar em estado elevado de espírito só por gostar de alguém pode ser algo completamente inofensivo, mas se tudo o que você faz é estar nesse estado e pensando naquela pessoa, isso pode comprometer outros setores da sua vida. Eu assino embaixo. Palavra de quem já teve a pior nota em Química por causa de uma paixonite aguda.

E apesar de parecer tolo falar sobre seu dever de casa em uma canção, pense que temos exemplos bem piores por aí.

6. Talk
Brutal.

Esta faixa é ao mesmo tempo o centro do álbum, sua maior virtude e essência. Ela é dinâmica e entra em perfeita combinação com os momentos de contradição ("but you knew you hadn’t let the right one in" – dãm, dum, dãm dãm), negação ("it’s ok, i’ll get over it" – duas vozes) e auto flagelação ("all I wanna do is talk, but seeing you f*cks me up" – marcação continua de nota).

Talk é um misto de Chair e Cool Like Kurt com desespero depois de uma garrafa de vinho. São todas as coisas erradas, que te prometem dores agudas, mas que você inevitavelmente termina fazendo.

7. With the World at my Feet
Racional.

Nesta canção finalmente encontramos uma nota de finalidade, algo que parece ter sido aceito. Enquanto Talk e Chair nos alertam que apesar dos tropeços e das armadilhas presentes nesse relacionamento a voz que as emite parece não ter controle sobre seus impulsos de perpetuar o ciclo no qual ele (o relacionamento) vive girando, aqui nesse momento, ela mostra que sabe sim que tudo está acabado, mesmo que nada seja de fato dito.

8. Locked Up
Denso.

Absolutamente todas as músicas desse CD falam de um relacionamento, ou melhor, uma espécie de conversa danificada, onde ambas as partes reinterpretam o que lhes foi dito da forma que bem desejam ouvir. Contudo, Locked Up é tão crua, tão terrivelmente despida de dualidade e sem máscaras que boa parte de suas palavras podem ser usadas para falar não só de relacionamentos amorosos, mas também dos diferentes relacionamentos onde a outra ponta dessa ligação nos impede de compreender melhor suas ações por estar sempre erguendo muros invisíveis.

E no som sujo da guitarra, você encontra aquele ruído que sonoriza o misto de sentimentos que se sente quando não se pode entrar e permanecemos no escuro, pois a outra pessoa ainda acredita que não sejamos capazes de compreender.
You don’t have to be alone
(Você não tem que ser sozinho)
Maybe you’re not
(Talvez você não seja)
I wouldn’t know
(Eu não saberia)
‘Cause you keep it all locked up
(Pois você guarda tudo [para si])
9. Summer Cold
Fossa.

Particularmente não gosto desta. Soa (parece) como alguém se lamuriando. E a voz de Underwood não tem força para compensar essa sensação, ainda mais quando podemos compará-lo com o resto do duo, Costelloe.

10. Visions
Vistosa.

É uma das poucas que conquistam mais pelo conjunto das cordas (com as vozes) do que pela letra, o que deve ser muito presunçoso de minha parte escrever, já que além de (eu) nunca ter escrito música alguma, nem todos que ouvem música estrangeira têm conhecimento bom/suficiente da língua para entender de fato as letras. Então é claro, isso é uma opinião vinda de alguém que tem o conhecimento e normalmente disseca as canções em sua mente antes mesmo de gostar do som, com algumas exceções, porque não sou de ferro.

Reformulando, Visions é sonoramente aquele que mais encanta e te deixa com vontade de cantar.

11. Seraphine
Hipnótica.

As notas iniciais da guitarra denunciam; estão te chamando. A voz de Underwood, dessa vez, soa como alguém logo atrás de você. Quando Costelloe o acompanha com um “ahhhh” você fecha os olhos e se deixa levar...

A distorção só aumenta essa sensação de ser conduzida para a beira do fogo, do abismo, do fim, do centro, do... bem, do cerne e ainda sim, do nada. A ânsia e o cansaço intrínsecos em suas vozes e na difusão do som durante o refrão é de longe aquilo que mais salta nesta faixa. E o fato de que a palavra ‘ruína’ me vem à mente o tempo todo durante sua execução, não ajuda em nada.

É o mesmo que descobrir novamente que o sofrimento que te espera depois que os desejos são saciados é aquilo que te faz aceitar errar mais uma vez.

12. Pi
Shoegazing.

Shoegazing significa, de modo simples, olhar para os pés. E mesmo sendo um termo usado para representar certas tendências musicais, aqui o termo vem no literal; ficar encarando seus pés. Pi que é comandada pela voz de Underwood poderia ser mais uma considerada pura fossa, mas está mais para a representação da timidez que se abate sobre as pessoas quando seus assuntos íntimos começam a ficar complicados demais. Ou íntimos demais. O que vier primeiro.
--

Como puderam notar, Lights Out é rico em emoção, embora economize no número de instrumentistas. Soa, fala, emana, discorre, expõe em mais verbos do que esses listados, uma enorme gama de adjetivos que não vou me atrever a colocar.

Cada alma, cada coração e obviamente cada ouvido será capaz de perceber esses detalhes ao explorar este álbum, mas certamente se existe algo que fica claro quando todas as luzes são acesas é que o amor dói. E é tão agridoce quanto desejamos que não o fosse.

JÚRI FINAL

- Nota Final: Ade Agridoce. Ambas partes de ambas vozes em ambas visões. Duplamente sincera. Duplas facas no S2.
- Capa: Em total sintonia com o que o álbum expressa no conteúdo.
*Fangirlmomêtro: Febre de Fossa – não existe de verdade, mas não impede que corroa toda a sua alma, você chore e suas amigas venham dar um apoio moral.

 BANCO DE DADOS

*Título: Lights Out
*Artista: Big Deal
*Gravadora: Mute Records
*Ano: 2011
*Estilo: acústico, folk, indie rock, garage rock,
*Álbum de estúdio
*Tracklist:
  1. Distant Neighborhood 
  2. Chair 
  3. Cool Like Kurt 
  4. Swoon
  5. Homework
  6. Talk 
  7. With the World at My Feet 
  8. Locked Up 
  9. Summer Cold 
  10. Visions 
  11. Seraphine
  12. Pi

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTE E/OU RECLAME